Este livro foi concebido com o objetivo de apresentar ao professor de língua portuguesa e de literatura uma abordagem crítica da poesia que o faça refletir sobre este gênero literário e considerar a sua importância na educação dos estudantes de ensino médio e superior. O leitor encontrará aqui o fruto de vários anos dedicados ao estudo atento das especificidades históricas e estéticas da poesia, das condições peculiares da poesia no sistema literário brasileiro e do papel desse gênero no processo de formação e evolução da literatura brasileira. Poesia na sala de aula é, portanto, um livro sobre a necessidade e a atualidade da leitura da poesia nos contextos escolares.
Num país como o nosso, em que o acesso à escola de qualidade, à cultura acadêmica, à leitura, à literatura e à arte é quase sempre um privilégio de classe, escrever um livro sobre o trato da poesia em sala de aula pode parecer um capricho, tendo em vista que há muitas outras tarefas educacionais mais urgentes a cumprir. Mas acredito também que, no escopo de uma educação humanista, ampla e emancipadora, há uma “urgência das coisas não imediatas” que é preciso considerar. Por uma série de motivos, a literatura é hoje quase inexistente no contexto escolar. No melhor dos casos ela se reduz a um simulacro, a uma miragem anódina, a uma pálida imagem do que realmente é. Nos últimos vinte anos, um processo chancelado por teorias modernosas, instituições educacionais e produções acadêmicas levou à substituição do trabalho específico com a literatura por um trabalho que podemos chamar de “pedagogia da leitura”. Um dos lemas dessa “pedagogia da leitura”, que tem dominado a quase totalidade dos programas e materiais de Língua Portuguesa nos Ensinos Fundamental e Médio, é: se o importante é fazer o aluno ler, então qualquer coisa vale para cumprir este fim. A “pedagogia da leitura”, embora empenhada em formar leitores, assim, sequestra o direito dos alunos de praticarem a leitura literária com a intensidade que exigem as especificidades estéticas de um poema, de um conto, uma crônica ou de um romance.
Portanto, este livro está amparado na convicção de que é preciso avançar em relação a essa concepção de que qualquer texto vale a mesma coisa na formação escolar dos leitores. Creio que a formação dos estudantes de Ensino Médio e Superior precisa ir além das balizas do trivial senso comum e do cipoal teórico a que estão condenados uns e outros. Não tenho dúvidas de que a literatura, a arte e a poesia podem dar uma contribuição decisiva para a formação dos jovens, nos contextos escolares, especialmente aqueles das classes menos favorecidas social e economicamente. Por isso, precisamos levar às salas de aula um bem social (a poesia, a literatura, a arte) que infelizmente tem sido sonegado aos estudantes. A especificidade da literatura está na vivência de experiências humanas através da mediação de uma forma estética particular.
E essas vivências são fundamentais não apenas para a formação escolar ou acadêmica do aluno, mas também para o incremento da sua percepção de si mesmo e do mundo, sendo, ademais, um sempiterno estímulo à intervenção na realidade injusta, que, quase todos concordamos, precisa ser transformada e humanizada. Se a arte não é uma urgência, ela é, todavia, um fundamento de nossa humanidade, pois liga-se a uma função primordial da constituição da humanidade, que é o “fantasiar”. Freud nos diz que o “fantasiar” (Phantasieren) é a base do trabalho do poeta (do criador), além de ser uma garantia fundamental da saúde psíquica. Criar arte é um modo de formar o humano. Como diz Freud: “O poeta faz algo semelhante à criança que brinca; ele cria um mundo de fantasia, que leva a sério, ou seja, um mundo formado por grande mobilização afetiva, na medida em que se distingue rigidamente da realidade”. Através desse trabalho em que mobiliza seus afetos, o poeta cria um universo novo, composto com os elementos de seu mundo, agora reordenados em um plano outro de significação.
Meu trabalho como professor e como crítico literário se baseia no pressuposto de que não basta adaptar os alunos ao mundo, é preciso dar-lhes ferramentas para poder imaginar um mundo diferente. É fundamentalmente para contribuir com essa missão que este livro foi escrito. A esperança que embalou a sua construção foi a de colaborar um pouco com professores, futuros professores e alunos de cursos de Letras para a transmissão da experiência preciosa que cada simples poema é capaz de prover.
Por fim, quero ressaltar que o que vai escrito a seguir é inspirado na lição do mestre Antonio Candido, que, com o volume Na sala de aula, estimulou algumas gerações de professores e alunos a se aventurarem no paciente e prazeroso jogo de decifração crítica da poesia ao lhes fornecer um excelente “instrumento de trabalho”. Para facilitar a consulta e o estudo dos interessados no tema, optei por dividir o livro em duas partes.
Na primeira parte, é apresentada uma reflexão de natureza crítico-teórica acerca da poesia e de seu papel no processo educativo. Também neste momento é exposto o método desenhado para sustentar os Laboratórios de leitura e escrita de poesia que serão apresentados na segunda parte do livro. Na segunda parte, o que o leitor encontrará não é mais do que uma sistematização um pouco mais cuidadosa de algumas atividades com textos poéticos da literatura brasileira realizadas em salas de aula de diversos tipos e níveis de ensino. Em suma, apresenta-se um conjunto de exercícios e atividades, que denominei Laboratórios de Leiturescrita. Esse conjunto de atividades não deve ser aplicado, mas utilizado como uma série de exemplos e parâmetros, a serem adaptados à realidade particular de cada contexto de ensino-aprendizagem e também para a extrapolação das propostas apresentadas.
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Para conhecer o livro, acesse: Poesia na sala de aula
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