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  • Foto do escritorAlexandre Pilati

O avesso da pele e a leitura na escola

Atualizado: 7 de mar.

Íntegra da entrevista concedida, em 05/03/2024, a Isabela Stanga, repórter do jornal Correio Braziliense, sobre a censura ao livro O avesso da pele, de Jefferson Tenório, e sobre o papel formativo da literatura na sala de aula.


 

Isabela Stanga: O senhor leu o livro O avesso da pele? Se sim, quais suas impressões sobre ele?

Alexandre Pilati: O livro de Jefferson Tenório é uma das excelentes obras da nossa literatura contemporânea, seja pela forma corajosa e complexa com enfrenta temas sociais que estruturam nossa sociedade, tais como a pobreza, a herança escravocrata e o racismo, seja pela capacidade de configuração estética do autor, que evidencia muito talento na construção do enredo, na construção das personagens, no uso da linguagem, no trabalho com ambientes, cenas e tempos narrativos.

 

Isabela Stanga: Qual a importância da obra, dado o momento atual do país?

Alexandre Pilati: Talvez a importância de uma obra que investiga a fundo o problema contemporâneo das vidas negras na sociedade brasileira seja levar a uma camada social que pode ter contato com livros uma perspectiva crítica de nossa história recente e estimular uma reflexão sobre os limites e possibilidades de a arte contribuir para a interrogação de questões que nos configuram comunitariamente e como indivíduos humanos, não apenas sob um viés objetivista, como faria um estudo sociológico, mas também sob parâmetros subjetivos e estéticos, pois essa é a missão da arte. Sob esses aspectos o título do romance de Tenório é eloquente: acompanhando a vida do personagem principal, nos deparamos a todo momento com os avessos da pele ao olhar para o processo social brasileiro – seja hoje, seja ontem.

 

Isabela Stanga: O livro foi escolhido pelo governo federal para ser utilizado em sala de aula. Como você acredita que ele poderia contribuir para a formação dos estudantes?

Alexandre Pilati: É importante que os estudantes, leitores em formação, tenham contato com um amplo repertório de obras literárias. A escolha de obras como O avesso da pele pela qualidade do texto e pelas temáticas apresentadas favorece o aprofundamento de conteúdos, estimula a expressividade dos estudantes e oportuniza o desenvolvimento de empatia com as personagens, que passam a apresentar, em chave tensa e libertadora, as contradições que dão forma ao cotidiano desses jovens, levando-os talvez a pensar em alternativas de vida que estão fora do esquadro mais trivial e opressivo da realidade cotidiana deles.

 

Isabela Stanga: Uma diretora do Rio Grande do Sul criticou o uso da obra em sala de aula devido aos palavrões. Em sua opinião, a obra poderia de alguma maneira influenciar os estudantes neste sentido?

Alexandre Pilati: É um absurdo proibir uma obra baseando-se em qualquer princípio moralista rasteiro e conservador. A literatura na escola deve ser o espaço da liberdade genuína e não da catequização e da opressão do pensamento. Infelizmente há muito risco de retrocesso na educação brasileira e esse é um exemplo claro disso. Na verdade, o que a referida diretora deseja é reprimir as possibilidades de desenvolvimento de pensamento crítico por parte dos estudantes. A literatura é um reflexo da realidade, censurar um livro ou bani-lo é sempre um ato de força contra a própria realidade. A boa notícia é que a realidade, e a literatura, são sempre maiores do que a mente mesquinha de quem pensa que elas devem servir a interesses de quem quer controlar corpos, mentes e histórias.

 

Isabela Stanga: Palavrões deveriam ser critério eliminatório na hora de escolher um livro para alunos de ensino médio, na sua opinião?

Alexandre Pilati: Claramente não. O que deve ser levado em conta para se selecionar um texto, além da sua qualidade estética, é a sua pertinência para determinada faixa etária, e a sua conexão profunda com a verdade da vida, que é contraditória por si só.

 

Isabela Stanga: Qual a importância de incluir a literatura brasileira em sala de aula?

Alexandre Pilati: A leitura de obra de alta qualidade é um direito de todo jovem brasileiro. Se isso não acontecer na escola (especialmente na escola pública, que é, como dizia Anísio Teixeira, a máquina de formar a democracia) dificilmente ocorrerá em outros âmbitos da vida social. Ler literatura é uma espécie de vivência intensiva, imprescindível para o adensamento de nossa percepção da realidade, bem como uma provocação constante a nossa sensibilidade. Ler literatura nos ajuda a fazer perguntas mais complexas sobre nossas relações e sobre as possibilidades de transformações da realidade em sentido profundo. Proibir livros de literatura e excluir obras da sala de aula por preconceitos bestas é mutilar as possibilidades de humanizar nosso olhar sobre a vida. Link para a matéria no Caderno "Eu Estudante": Professor defende livro censurado: "Conexão profunda com a verdade da vida"

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