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Foto do escritorAlexandre Pilati

A beleza da poesia é o tamanho real da vida


A Profa. Ana Laura dos Reis Corrêa, da Universidade de Brasília, escreveu esse belo texto que serviu de "Posfácio" a Meu coração e outros poemas/ Il mio cuore e altri poemi. Muito bom poder contar com uma leitura tão sensível e arguta como esta. Vejam o texto:


* * *


Se houvesse apenas uma palavra para dizer algo sobre este conjunto de poemas, eu escolheria a palavra vínculo, que faz deste livro “uma carta contra o vazio”, “Num ano como este, que passa de improviso sobre nossas cabeças”, num mundo-ilha, antes levemente submerso na agitação das águas, e agora fortemente irrompido pela pandemia, Meu coração e outros poemas também se eleva – contra a ínsula – e cria para o leitor um vínculo com a vida e com o outro: um “abraço-mundo”. Se o dinheiro, como diz Marx, tornou-se o vínculo dos vínculos, e produz um mundo invertido, onde impossibilidades se confraternizam em festa, a poesia de Pilati enfrenta o mar aberto das contradições sem exilá-las numa ilha sem saída para um mundo desinvertido, e estuda a possibilidade de um mundo em que “o dinheiro tropeça emsuas próprias pernas” e cede lugar à sede humana de “fazer o mundo tingir-se outra vez de infâmia e de aurora”.


O vínculo se estabelece pela exposição das contradições sob uma “Luminária” lírica, cujo brilho de “vintém terrorista”, escondido pela poeira acumulada do lirismo de convenção, levanta-se contra “o oco negro” “do shamisen de chamas de Times Square!”. As contradições fossilizadas do cotidiano manco, que impõem uma “distância disparatada” entre os homens, ganham carne, e o que era apenas tropeço se transfigura em passo ao encontro da vitalidade capaz de fazer reconhecer que, “sob as máscaras”, “nossas bocas se parecem demasiadamente”.


Esse vínculo com a unidade contraditória da vida se concretiza por um movimento metonímico, a redução que amplia: “um livro/em silêncio que abriga/o mundo e tudo/que ele transpira”. “Meu coração”, poema que abre o livro e dá título à antologia, é metonímia de todo o livro, tem na parte, nesse órgão vital da lírica, o todo. No título, como na fatura, “Meu coração” tem por trás de si todos os outros poemas e ao mesmo tempo busca engolir o mundo – “engula-se!” –, expondo simultaneamente o sufocamento e o ritmo do respirar: “Eu respiro, ainda. / Ainda, tu respiras”.

“Meu coração” soa como entrega de uma voz lírica sem grandezas de poeta de torre de marfim ou de varanda de hotel distante do caos mundano. “Meu coração” é terrenal, não é uma joia rara, se expõe a olhos alheios como “bijuteria”, medida justa para a poesia, segundo Chico Alvim, “nem o mais nem o menos, (...) um metro nenhum, um metro ninguém, um metro de nadas”: apenas “o pequeno coração dos pássaros”, de “O amor”.


“Meu coração”, em seu ritmo singular, atravessado por arritmias provocativas (“só símbolo/só sim/só”), não bate “só”, se vincula a sílabas ritmadas que trazem à superfície da “pele vermelha dentro de mim” a vibração do pulso de uma corrente ampla, tensa, irrigada e resistente: Maiakóvski, Pasolini, Gramsci, Drummond, Duke Elington e John Coltrane... E outros “fantasmas que dedilham os acentos da luz” e fazem de “Meu coração” um “Caracol” “de peles e palavras”, que empurra a tradição lírica à procura de sua força original: “a ima língua dos esquecidos”.


Cada “Poema” tem a porta aberta para a rua – “Da porta pra lá” –, pois “Meu coração” se recusa a ser proprietário ou propriedade privada, caminha para o “chão popular da praça” da vida em comum, civil, e se pergunta: “Foi a brisa ou o grito da geral?” Toda a composição dos poemas parece responder que a brisa lírica não é o inverso do grito da geral. O vínculo entre a tradição lírica e a voz popular existe porque “é bom saber/ da poesia que se dissipa na prosa/ de qualquer canela a perder-se no mundo”. Ao iluminar esse vínculo com “– o nome do outro –”, que pode ser de “Ramona” e “Curumim” até “Tranquilito”, vê-se que a lírica volta para si mesma, quando “volta pra ela”, para a dinâmica da vida:


é bom saber que há gente

em forma de vulcão

que resgate da tragédia

a súmula santa

da vida que de nada necessita

a não ser sair por aí

sabendo que ela continua

nos tirando da lama

do breu

tomando seu gim

em nome da beleza


Este livro é vínculo porque, intimamente contraditório e metonímico, resiste ao laço das convenções e segue as leis da beleza, às vezes crua, “de atra violência”, outras vezes satírica, na “lição do amplo gado”, mas sempre como uma “garça entre desgraças”, porque a beleza da poesia é o tamanho real da vida, é reunir o cada vez mais difícil e abstrato ao mais simples e concreto: o objeto com o que ele é.


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Acesse o site da Editora Penalux e conheça um pouco mais sobre Meu coração e outros poemas

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